O uso da arbitragem no Poder Público

Há tempos o Poder Judiciário brasileiro demonstra sinais de esgotamento diante do aumento crescente de litígios, que geram morosidade e ineficiência de sua atuação. Diante destes desafios, o acesso à Justiça vem sofrendo releituras, através da utilização de meios alternativos de solução de controvérsias, como a negociação, mediação e arbitragem.

Em se tratando de Direito Público, esta seara sempre foi predominantemente judicial, mas diante da insegurança jurídica gerada pela morosidade judicial, é que se vislumbra a utilização da arbitragem. A lei que rege a arbitragem é a Lei 9.307/1996, alterada pela Lei 13.129/2015, que trouxe inovações sobre a utilização da arbitragem no Poder Público. A arbitragem é uma forma de heterocomposição, método de solução de controvérsias caracterizado pela imposição cogente de uma solução por um terceiro. O papel do juiz ao sentenciar a demanda também é de heterocomposição, só que provida pelo Estado. No caso da arbitragem, as partes em comum acordo realizam a escolha de um terceiro, sem vínculo com o Poder Judiciário, que proferirá decisão a respeito do litígio. Tal decisão será vinculante e com a mesma força cogente de uma decisão judicial. Nestes termos o entendimento do STJ:  

A convenção de arbitragem, tanto na modalidade de compromisso arbitral quanto na modalidade de cláusula compromissória, uma vez contratada pelas partes, goza de força vinculante e de caráter obrigatório, definindo ao juízo arbitral eleito a competência para dirimir os litígios relativos aos direitos patrimoniais disponíveis, derrogando-se a jurisdição estatal.

(REsp 1733685/SP, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 06/11/2018, DJe 12/11/2018)

  A opção pela arbitragem é feita por meio de convenção ( por escrito), por ato voluntário em que as partes abdicam da solução através da via judicial. Uma vez feita a opção, esta se torna obrigatória. A escolha pela arbitragem importa renúncia à jurisdição estatal. A utilização deste meio de solução de conflitos apresenta algumas vantagens, como a escolha do árbitro, flexibilidade de procedimento utilizado, possibilidade de escolha de lei aplicável, confidencialidade e celeridade. A escolha do árbitro é indicada pelas partes ou delegação delas, é o patrimônio intelectual da arbitragem. A Lei determina as características do árbitro, que são a imparcialidade, independência, competência, diligência e discrição. No exercício de suas funções, ele é equiparado a funcionário público, podendo ser responsabilizado cível e penalmente. O árbitro é competente para solucionar o conflito, vez que sua escolha é vinculada à sua expertise na matéria. Findo o procedimento previsto, será proferida a sentença arbitral, sendo prescindível a homologação da mesma pelo Judiciário. Não cabe recurso de mérito contra a sentença arbitral, sendo possível o pedido de esclarecimento ou correção de erro material. Caso não cumprida espontaneamente,passará por procedimento judicial de cumprimento, por ser título executivo judicial. Em seu teor, a alteração legislativa trouxe a possibilidade expressa do poder que a administração pública direta e indireta tem de utilizar-se da arbitragem para dirimir conflitos relativos a direitos patrimoniais disponíveis, prevista no §1º , art. 1º da Lei. A alteração legislativa ainda dispõe que a autoridade ou o órgão competente da administração pública direta para a celebração de convenção de arbitragem é a mesma para a realização de acordos ou transações. Algumas diferenças da arbitragem tradicional são apontadas, como a restrição de aplicabilidade à questões de direito, afasta-se, portanto, o julgamento por equidade. Outra característica relevante é que não pode haver confidencialidade dos processos arbitrais que envolvam ente público. Há que se falar que outros diplomas normativos já continham menção expressa à possibilidade de utilização de arbitragem, conforme abaixo colacionado:  

Lei 8.987/95

Art. 23-A. O contrato de concessão poderá prever o emprego de mecanismos privados para resolução de disputas decorrentes ou relacionadas ao contrato, inclusive a arbitragem, a ser realizada no Brasil e em língua portuguesa, nos termos da Lei no 9.307, de 23 de setembro de 1996.

LEI Nº 11.079/04

Art. 11. O instrumento convocatório conterá minuta do contrato, indicará expressamente a submissão da licitação às normas desta Lei e observará, no que couber, os §§ 3º 4º do art. 15, os arts. 18, 19 21 da Lei nº 8.987, de 13 de fevereiro de 1995, podendo ainda prever:

(…)

III – o emprego dos mecanismos privados de resolução de disputas, inclusive a arbitragem, a ser realizada no Brasil e em língua portuguesa, nos termos da Lei nº 9.307, de 23 de setembro de 1996, para dirimir conflitos decorrentes ou relacionados ao contrato.

  Do mesmo modo, o Superior Tribunal de Justiça já havia consolidado em diversos julgados, desde 2007:  

Não existe óbice legal na estipulação da arbitragem pelo poder público, notadamente pelas sociedades de economia mista, para a resolução de conflitos relacionados a direitos disponíveis.

(CC 139519/RJ, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, Rel. p/ Acórdão Ministra REGINA HELENA COSTA, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 11/10/2017, DJe 10/11/2017

REsp 904813/PR, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 20/10/2011, DJe 28/02/2012

MS 11308/DF, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 09/04/2008, DJe 19/05/2008

REsp 606345/RS, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, SEGUNDA TURMA, julgado em 17/05/2007, DJ 08/06/2007 p. 240)

  Por fim, conclui-se que a arbitragem no Poder Público é relevante meio de acesso à justiça, que fomenta a celeridade e eficiência da resolução dos conflitos através de um personagem especialista no objeto da demanda. Trata-se de uma tendência crescente, vez que o projeto da nova Lei de Licitações já prevê a utilização de arbitragem em seu teor.

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