Abuso de Autoridade – Lei Nº 13.869/19 – Parte 1

A lei 13.869/19, publicada em 5 de setembro de 2019 e que entrará em vigor após decorridos 120 dias, estabelece critérios para definição dos Crimes de Abuso de Autoridade e as sanções que serão aplicadas à essas infrações penais. De acordo com os critérios de classificação adotados pela doutrina, os crimes de abuso de autoridade são crimes próprios: aqueles praticados por pessoas específicas. O art. 1º, caput, dispõe sobre o sujeito ativo especificando ser o “agente público, servidor ou não, no exercício de suas funções, ou a pretexto de exercê-las”.

 

O artigo 2º traça o escopo de abrangência que corresponde ao termo “agente público”, sendo os:

  • Servidores públicos e militares;
  • Membros do Legislativo, Executivo, Judiciário, Ministério Público e Tribunais de Contas;
  • Qualquer pessoa que exerce, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, função em órgão OU entidade do poder público;
  • Aquele que exerce função pública, com remuneração (Conselheiro Tutelar) ou sem (Mesário ou Jurado no Tribunal do Júri).

 

Os crimes previstos nesta lei são de Ação Penal Pública Incondicionada, conforme previsto no art. 3º, ou seja, não é necessário autorização por parte da vítima ou de quem quer que seja para que se prossiga com o oferecimento da denúncia. Nos crimes de abuso de autoridade é possível a Ação Privada Subsidiária da Pública, hipótese em que a vítima oferece queixa de forma subsidiária quando o MP ficar inerte e deixar de oferecer a denúncia no prazo legal (5 dias, se o réu estiver preso ou 15 dias, se o réu estiver solto). Cumpre destacar que, inicialmente, o Presidente da República havia vetado o § 1º do art. 3º onde exatamente está prevista  essa possibilidade, mas o Congresso Nacional rejeitou o veto. Ainda conforme o § 2º do mencionado artigo, o prazo para o exercício dessa ação subsidiária é de 6 meses, contados da data que findar o prazo para oferecimento da denúncia.

 

No artigo 4º estão delimitados os efeitos da condenação:

  1. Fixação na sentença de um valor mínimo que sirva de reparação aos danos causados à vítima, considerando os prejuízos sofridos, sendo necessário o requerimento do ofendido (art. 4º, I);
  2. Inabilitação para o exercício de cargo, mandato ou função pública, pelo período de 1 (um) a 5 (cinco) anos (art. 4º, II);
  3. Perda do cargo, mandato ou função pública (art. 4º, III);

 

A grande novidade trazida neste artigo é o efeito previsto no item 2, os demais já existem no ordenamento pátrio e possuem correspondências com os efeitos presentes no Código de Processo Penal e no Código Penal, art. 387, IV e art. 92, respectivamente. Importante observar que enquanto à perda do cargo ou função se aplica a situações instituídas, o novo efeito aplica-se a eventos futuros: criando impedimento para que o condenado fique impossibilitado de exercer cargo, mandato ou função pública pelo período determinado na sentença.

 

Em relação aos mandatos eletivos, surge então nova hipótese de inelegibilidade que poderá perdurar por até 5 anos. O parágrafo único do artigo 4º traz um importante requisito para aplicação dos efeitos dos itens II (inabilitação) e III (perda): a reincidência específica, ou seja, os dois efeitos não são automáticos sendo necessária a declaração motivada na sentença.

 

No art. 5º está previsto as penas restritivas de direito substitutas das privativas de liberdade, sendo apenas duas: a) prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas; b) suspensão do exercício do cargo, da função ou do mandato, pelo prazo de 1 a 6 meses, com a perda dos vencimentos e das vantagens. É possível a aplicação de forma autônoma ou cumulativa (art. 5º, parágrafo único), entretanto importante recordar do disposto no art. 44, § 2º, do Código Penal “poderão ser aplicadas duas penas restritivas, caso a condenação seja superior a 1 (um) ano de prisão”. Em resumo, ao ser condenado o agente: reincidente específico em crime de abuso de autoridade perde o cargo ou função conforme o art. 4º, por outro lado, se não reincidente, poderá ter seu cargo ou mandato suspenso conforme o art. 5º.

 

Outra inovação prevista na Lei 13.869/19 está disposta no art. 10, configura o crime de abuso de autoridade determinar que testemunhas ou investigados sejam conduzidas coercitivamente à autoridade policial ou judicial para depor, quando essa condução for manifestamente descabida ou não existir prévia intimação de comparecimento. Nesse ponto o legislador buscou afastar atitudes adotadas por algumas autoridades, sob o temerário pretexto de combater de forma mais eficaz a criminalidade, e que criou a figura da “condução coercitiva antes da intimação”, medida em flagrante inobservância ao princípio da legalidade. No mesmo sentido é o entendimento do STF que ao julgar as ADPFs 395 e 444 declarou ser inconstitucional o uso de condução coercitiva de investigados ou réus para fins de interrogatório.

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